Equanimidade é um estado de aceitação, gratidão e tranquilidade por tudo o que nos acontece. Nem apego nem aversão apenas deixar a vida fluir sem esforço. Uma das bases do budismo são as Quatro Nobres Verdades, a primeira das quais é que “a vida é sofrimento (dukka)”, mas o sofrimento vem essencialmente do nosso apego ou aversão às condicionantes que a vida nos apresenta. Assim, o desejo e as expetativas criam sofrimento porque nos apegamos a um resultado, e quando esse resultado não se concretiza, sofremos. Por outro lado, quando o objeto do nosso desejo ou da expetativa se materializa, tememos perde-lo, o que também causa sofrimento. Por vezes também criamos aversão a coisas, pessoas e situações, que queremos a todo o custo afastar das nossas vidas. Isso também é uma fonte de sofrimento. Enquanto a nossa mente oscila entre apego e aversão não temos serenidade. Há sempre um desejo a ser satisfeito, um resultado a ser protegido ou alcançado, ou algo de que fugir. Neste estado mental não há descanso, nem pode haver verdadeira felicidade. Assumimos muitas vezes, erradamente, que a felicidade se alcança por meio do que conseguimos extrair ou usufruir do mundo exterior, contudo, várias filosofias ensinam, e entre elas o budismo, que a verdadeira felicidade em nada se relaciona com ganhos exteriores, que é antes um estado de ser. O modo de vida da sociedade ocidental, o marketing e a publicidade, levaram-nos a acreditar que só seremos felizes se tivermos o mais recente gadget topo de gama, a roupa da última moda, o carro mais desportivo e vistoso, a casa mais moderna e bem equipada, enfim, os items a adquirir não acabam nunca e nunca estamos verdadeiramente satisfeitos. Será isto a felicidade? De que nos serve a fama, a riqueza ou o sucesso, se mantemos uma mente inquieta e sempre em busca de mais? De que nos serve o ódio ou a aversão a pessoas ou situações se quem perde a tranquilidade somos nós? Acreditamos muitas vezes que ter mais, seja do que for, nos dá segurança e felicidade. Esta ideia parte do pressuposto errado de que temos controlo absoluto sobre os eventos da nossa vida. Não temos. Na verdade, controlamos muito poucas coisas no nosso quotidiano. E é o aceitar essa ausência de controlo, o soltar o apego ou a aversão, o simplesmente deixar a vida fluir, que se traduz por equanimidade (upekkha). É importante não confundir a equanimidade com indiferença pois não são a mesma coisa. Indiferença não significa aceitação, significa apenas que não temos uma ligação com a situação, pessoa ou acontecimento, já na equanimidade há um sentimento de aceitação do que é sem qualquer tentativa, esforço ou expetativa de alterar a realidade. Claro que, para atingir um estado mental que nos permita ser equânimes, há algumas ideias que devem estar na base do modo como conduzimos a nossa vida. Uma dessas ideias, também transmitida no budismo, é a de que tudo, neste mundo tridimensional, é impermanente. Nada nesta realidade existe para sempre, logo, querermos agarrar-nos às coisas como se fossem eternas, causa sofrimento. Um exemplo disso é a perda de um ente querido. Sofremos sempre muito quando alguém que amamos parte deste mundo, contudo, a morte é algo absolutamente intrínseco à vida. Para haver vida é preciso haver morte. É da escuridão do Inverno que nasce a Primavera. Tudo na natureza se move em ciclos de morte e renascimento e assim é com todos nós. Se aceitarmos plenamente a ideia de impermanência não nos agarraremos às coisas e às pessoas como tábuas de salvação, em vez disso, aprendemos a soltar, a deixar ir o que tem de ir, o que já cumpriu a sua função nas nossas vidas e no mundo. Claro que podemos ficar tristes e até sentir muito a falta de um ente querido, mas o sofrimento agonizante só nos desgasta e não altera a situação. É sábia a capacidade de aceitarmos a morte como algo natural e expectável. Um outro exemplo é a perda de um emprego. Quantas vezes perder um emprego é uma oportunidade para construirmos um novo rumo para nós? Um rumo que de outra forma nem teríamos considerado? E quantas são as pessoas que permanecem agarradas à dor da perda e a esgotarem-se na tentativa de abrir a mesma porta que acabou e se fechar para elas? Se aprendermos a soltar e a mantermo-nos num estado de aceitação, abertos ao que de novo possa surgir, estaremos a fluir com o movimento rítmico da vida, tal como um rio que se permite ser conduzido para o mar sem oposição. Também beneficiaríamos bastante de aceitar a Primeira Nobre Verdade do budismo: não é possível viver toda uma vida sem passar pelo menos por alguns momentos de sofrimento. Querermos a felicidade permanente é uma ilusão, e uma ilusão que causa ainda mais sofrimento. É importante termos a capacidade de abraçar os momentos menos bons como parte da vida. É muitas vezes graças a eles que crescemos e nos transformamos além do que julgaríamos possível. Pode parecer difícil aplicar a equanimidade nas nossas vidas, mas não será mais difícil manter o jogo do “puxa-empurra”, que nos mantém num estado de permanente alvoroço entre o apego e a aversão? A melhor forma de praticarmos a equanimidade no nosso dia-a-dia é através do treino da mente: meditar, ser testemunha dos pensamentos sem nos apegarmos a eles. Se uma coisa nos faz felizes devemos aceitar, ser felizes no momento e soltar; se uma coisa nos deixa tristes devemos aceitar, ficar tristes no momento, talvez chorar um pouco, e soltar. A equanimidade permite-nos aceitar e ser gratos por todos os eventos da nossa vida, bons ou menos bons, sem lutar contra eles e sem querer forçar a vida a moldar-se à nossa vontade, pois a vida sabe o que faz. (Publicado originalmente na Revista Progredir)
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Fátima LopesApaixonada pela vida e pelo Ser Humano! Arquivo
October 2021
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