Tudo começou há milhares de anos quando trocámos uma vida nómada de caçadores-recolectores por uma vida sedentária de agricultores e criadores de gado. Chamamos-lhe Revolução Agrícola. Passámos nessa altura a depender da cultura de cereais para sobreviver. Substituímos uma dieta rica e diversificada constituída essencialmente por sementes, nozes, raízes, frutos e bagas por uma mono-dieta de derivados de trigo ou de cevada. Ficámos então, e pela primeira vez, expostos à fome como nunca antes, pois bastavam alguns anos de seca, tempestades ou pragas de insectos para ficarmos sem alimento. Tudo isto se agravou com a domesticação de animais que nos trouxeram inúmeras doenças para as quais os nossos corpos não estavam preparados.
Não satisfeitos com isto, fomos criando sistemas de organização cada vez mais complexos, como cidades, dinheiro, economias, estratificação social e organizações políticas. A tudo isto chamámos progresso, pois agora já não precisávamos de percorrer longas distâncias em busca de alimentos, tínhamos casas para nos abrigarmos, tínhamos lideres que nos governavam e vivíamos em comunidades alargadas. Em momento algum desconfiámos da armadilha deste suposto progresso: o único caminho era em frente. Quando surgiram os conflitos criámos exércitos; quando o nosso território ficou escasso ou empobrecido invadimos os territórios vizinhos espalhando violência, morte e destruição à nossa passagem. No processo criámos e destruímos impérios, matámos e escravizámos milhões de seres humanos. Haveríamos de ser donos e senhores do mundo! Eis-nos chegados à Revolução Industrial, e o nosso progresso hoje, tal como no passado, resume-se à busca desenfreada de soluções para os problemas que nós próprios criámos: para lidarmos com as pragas de insectos criámos os pesticidas; para recuperarmos a saúde perdida inventámos os medicamentos químicos; para produzirmos utensílios baratos inventámos o plástico; para produzirmos energia extraímos petróleo das entranhas da Terra; para nos alimentarmos inventámos as quintas industriais e os matadouros; para alimentarmos os nossos animais destruímos as florestas virgens e os ecossistemas; para um conflito entre superpotências mundiais inventámos misseis e bombas nucleares; para comunicarmos inundámos o espaço com satélites e colocámos na Terra milhões de antenas emissoras de radiações eletromagnéticas; para nos deslocarmos passámos a produzir toneladas de CO2 para a atmosfera; para mascararmos a desconexão que criámos em relação ao sagrado, à intuição, ao mundo natural e ao Universo inventámos a tecnologia. Fizemos tudo isto sem nunca olharmos para trás, sem nunca nos questionarmos: quem somos nós e qual o nosso papel neste planeta? Perdemos a nossa ligação à Natureza e aos ciclos naturais e vemo-nos como estando separados e sendo superiores a eles. O nosso papel passou a ser o de subjugar a Natureza aos nosso caprichos e vontades. O que é que ganhámos? Um passado de morte e destruição; um presente repleto de doenças para as quais inventamos cada vez mais químicos tóxicos que nos envenenam e criam ainda mais doenças; uma economia que beneficia apenas algumas elites enquanto subjuga os mais fracos; sistemas políticos corruptos; competição em lugar de cooperação; ecossistemas destruídos; rios e mares apodrecidos de poluição; milhares de anos futuros de lixo radioactivo… e, como subproduto natural de tudo isto nasceu a nossa obra prima: o stress. Enquanto vivemos em harmonia com a Natureza só sentíamos medo se fossemos perseguidos por um animal selvagem ou se a nossa vida corresse perigo eminente. Neste sentido o medo era-nos útil. Mas hoje vivemos em medo permanente: medo de perder o emprego; medo de perder as poupanças, a casa, a saúde, a sanidade mental; medo da crise económica; medo de uma justiça que não é justa; medo da guerra; medo de uma calamidade; medo de não ser suficiente ou de não estar à altura das expectativas da sociedade; medo do fracasso; medo do que é desconhecido ou diferente; medo da morte. Os nossos corpos não estão preparados, nem foram concebidos para este medo constante. O resultado é a doença, a falta de vitalidade e a infelicidade. Vivemos mais tempo, mas com cada vez menos qualidade de vida. Estamos a matar o planeta e estamos a matar-nos lentamente a nós próprios, e sempre que encontramos uma suposta solução para um problema, com ela, criamos mais um ou vários novos problemas. Estamos a correr atrás do prejuízo. E tudo porque não sabemos quem somos nem o que estamos aqui a fazer. Criámos um mundo baseado na ideia de que tudo está separado de tudo quando na verdade tudo está intimamente ligado a tudo. Nada nem ninguém existe sem o suporte deste planeta, deste sistema solar, desta galáxia e de todo o Universo. Existimos e fazemos parte de uma tapeçaria cujo equilíbrio é magnífico, porém delicado. Um vírus – que nem sequer é um ser vivo, é apenas material genético encapsulado numa proteína – surgido em Wuhan na China, pode fazer parar o mundo inteiro durantes meses, levando ao colapso de economias, e em última instância obrigando o mundo a repensar o caminho que tem vindo a seguir até aqui. Um vírus, aliás, cujo aparecimento em humanos resulta da nossa teimosia em interferir com a vida natural sem sequer a compreendermos. Que grande lição de humildade e que grande ironia! Não somos afinal assim tão poderosos, pois não? E onde está afinal o tão famoso progresso? A medicina está a braços com um fenómeno que não compreende e para o qual todas as invenções anteriores parecem falhar; a economia não leva em linha de conta situações de calamidade naturais (apesar de muitas terem já ocorrido no passado); a política está refém da economia e é arrastada por ela e os seres humanos, indefesos contra um microrganismo invisível, apenas podem lavar as mãos de forma quase obsessiva-compulsiva. É como se a própria Natureza nos estivesse a dizer: “Agora isolem-se nas vossas casas sem distrações e reflitam no mundo que criaram. Reflitam sobretudo naquilo que têm vindo a fazer ao longo dos últimos duzentos anos e tirem as vossas conclusões.” Quando chegará o dia em que iremos finalmente compreender que a Natureza não precisa de nós, mas nós precisamos da Natureza? (Publicado originalmente na Revista Zen Energy)
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Fátima LopesApaixonada pela vida e pelo Ser Humano! Arquivo
October 2021
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